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Crítica
19 de Março de 2002   Ética

Ética e subjectivismo

Harry Gensler
Tradução de Paulo Ruas
Subjectivismo: “X é um bem” significa “Gosto de X”. Escolhe os teus princípios morais de acordo com o que sentes.

O subjectivismo sustenta que os juízos morais descrevem a maneira como sentimos. Afirmar que algo é um “bem” consiste em dizer que temos um sentimento positivo a seu respeito. A perspectiva do observador ideal é um refinamento desta posição; diz-nos que os juízos morais descrevem o que sentiríamos se fossemos inteiramente racionais.

Neste capítulo, iremos ouvir duas colegas imaginárias, ambas chamadas “Ana”. A Ana Subjectivista irá defender o subjectivismo e a Ana Idealista a perspectiva do observador ideal. Iremos igualmente considerar algumas objecções a cada um destes pontos de vista.

2.1 Ana Subjectivista

Chamo-me Ana Subjectivista; mas, dado a minha colega também se chamar “Ana”, habitualmente tratam-me por “Sub”. Adoptei o subjectivismo ao compreender que a moral é profundamente emocional e pessoal.

O ano passado frequentei com alguns amigos um curso de antropologia. Acabámos por aceitar o relativismo cultural — a perspectiva de que o bem e o mal são relativos a cada cultura, que “bem” significa “socialmente aprovado”. Mais tarde, descobri que o relativismo cultural enfrenta um problema, nomeadamente o de nos negar a liberdade para formarmos os nossos próprios juízos morais. Sucede que a liberdade moral é algo a que atribuo muita importância.

O relativismo cultural obriga-me a aceitar todos os valores da sociedade. Admitamos que descobri que a maior parte das pessoas aprova acções racistas; terei então de concluir que o racismo é um bem. Estaria a contradizer-me se dissesse “O racismo é socialmente aprovado embora não seja um bem”. Como o relativismo cultural impõe as respostas do exterior, negando a liberdade de pensamento em questões morais, passei a considerá-lo repulsivo.

Crescer obriga-nos a questionar os valores que herdámos. E é claro que recebemos os nossos valores da sociedade, pelo menos inicialmente. Quando somos crianças, esses valores são-nos fornecidos principalmente pelos nossos pais e grupos de amigos. Depois tornamo-nos adultos. à medida que crescemos, questionamos os valores que aprendemos. Podemos aceitá-los ou rejeitá-los em bloco ou aceitá-los ou rejeitá-los parcialmente. A escolha é nossa.

Quando afirmo “Isto é um bem” refiro-me ao que eu própria sinto — é apenas uma maneira de dizer “Gosto disto”. Os meus juízos de valor são acerca do que eu sinto e não acerca do que a sociedade sente. Os meus juízos de valor descrevem as minhas emoções.

Considero a liberdade moral uma parte do processo de crescimento. O que se espera das crianças é que repitam mecanicamente os valores que lhes foram ensinados; no entanto, um adulto que proceda deste modo revela que o seu processo de desenvolvimento não foi o adequado. O que se espera dos adultos é que pensem pela sua cabeça e que formem os seus próprios valores. O relativismo cultural não permite fazê-lo. Pelo contrário, tornamo-nos conformistas.

Deixem-me dar-vos um exemplo de como funciona o subjectivismo. A minha família ensinou-me a respeitar escrupulosamente a proibição de consumir bebidas alcoólicas. Na minha família beber estava “socialmente proibido”. No entanto, os meus colegas de escola acham interessante beber em grandes quantidades. Neste grupo, beber é um “requisito social”. O relativismo cultural afirma que devo fazer aquilo que a sociedade defende — mas que sociedade? Será que devo proceder de acordo com a minha família ou seguir o meu grupo de amigos?

O subjectivismo diz-me para seguir o que sinto. Assim, comecei a reflectir no conflito entre estas diferentes normas e nas razões que lhes subjazem. A minha família desejava prevenir-me contra os perigos do excesso de bebida, enquanto os meus amigos usavam a bebida para promover o divertimento e a sociabilidade. Eu tenho um sentimento positivo acerca de cada um destes objectivos e pensei na melhor maneira de promover ambos. Após alguma reflexão, os meus sentimentos tornaram-se claros. Diziam-me para beber moderadamente.

Beber demais pode ser “fixe” (socialmente aprovado) mas conduz com frequência a agressões, ressacas, alcoolismo, gravidezes indesejadas e também à morte em acidentes de viação. Nenhuma destas consequências me agrada — por isso, sou emocionalmente contra beber demais. Eis por que razão beber demais é um mal. Muitos dos meus amigos bebem em excesso dado tratar-se de um comportamento socialmente aprovado. Isto fá-los agir como crianças. Adoptaram cegamente os valores do grupo em vez de pensarem por si próprios.

Deixem-me explicar-vos alguns aspectos mais sobre o subjectivismo. Afirmei que “X é bom” significa “Gosto de X”. Alguns subjectivistas preferem usar diferentes termos para expressar emoção — por exemplo, “sinto aprovação por”, “tenho um sentimento positivo acerca de” ou “desejo”. Contudo, não irei preocupar-me em saber qual dos termos é mais adequado.

A verdade do subjectivismo torna-se óbvia se considerarmos a maneira habitual de falar. É frequente dizermos coisas do género “Gosto disto — é bom”. Estas expressões têm o mesmo significado. Acontece também perguntarmos “Gostas? — Parece-te bem?” Em ambos os casos estamos a formular uma única pergunta, embora utilizemos diferentes palavras.

A objecção colocada pela minha companheira de quarto é que podemos dizer que gostamos de coisas que não são boas. Por exemplo, “Gosto de fumar, embora fazê-lo não seja bom”. Mas neste caso passamos da avaliação da satisfação imediata para a avaliação das consequências. As coisas seriam claras se disséssemos “Gosto da satisfação imediata que fumar provoca (a satisfação imediata é um bem); não gosto das consequências (as consequências não são boas)”.

O subjectivismo sustenta que as verdades morais são relativas ao indivíduo. Se eu gosto de X e você não, então “X é um bem” é verdade para mim mas falso para si. Usamos a palavra “bem” para falar dos nossos sentimentos positivos. Nada é um bem ou um mal em si mesmo, independentemente dos nossos sentimentos. Os valores apenas existem como preferências de pessoas individuais. Você tem as suas preferências e eu as minhas; nenhuma preferência é objectivamente correcta ou incorrecta. Esta ideia tornou-me mais tolerante a respeito das pessoas com sentimentos diferentes e, portanto, com diferentes crenças morais.

A minha colega defende que os juízos morais traduzem afirmações objectivas acerca do que em si mesmo é verdadeiro, independentemente dos nossos sentimentos, e que o subjectivismo não tem este facto em consideração. Mas a objectividade é uma ilusão que resulta de objectivarmos as nossas reacções subjectivas. Rimo-nos de uma piada e afirmamos que a piada é “engraçada” — como se ser engraçado fosse uma propriedade objectiva das coisas. Quando gostamos de uma coisa dizemos que é “boa” — como se ser boa fosse objectivo. Nós, os subjectivistas, não nos deixamos enganar por este tipo de ilusões gramaticais.

Na prática, todos seguimos o que sentimos em questões morais. Contudo, apenas os subjectivistas são suficientemente honestos para o admitir e pôr de lado o apelo a uma pretensa objectividade.

Antes de avançar para a Secção 2.2, procure reflectir sobre as suas reacções iniciais ao subjectivismo. Que pontos lhe agradam ou desagradam nesta perspectiva? Tem objecções a apresentar?

2.2 Objecções ao subjectivismo

A Ana Subjectivista deu-nos uma formulação clara de uma maneira importante de abordar a moral. Concordo com a sua ênfase na liberdade moral e com a sua rejeição do relativismo cultural (e de qualquer outra perspectiva que exclua a liberdade moral). Mas discordo da sua análise do “bem”. Além disso, necessita de aprofundar as suas ideias sobre o pensamento moral.

O maior problema consiste no subjectivismo fazer o bem depender completamente do que gostamos. Se “X é um bem” e “Gosto de X” significam a mesma coisa, o seguinte raciocínio é válido:

Gosto de X.
∴ X é um bem.

Suponha por momentos que os amigos irresponsáveis da Ana Subjectivista gostam de se embebedar e magoar pessoas. Poderiam então deduzir que as acções abaixo são um bem:

Gosto de me embebedar e magoar pessoas.
∴ Apanhar bebedeiras e magoar pessoas é um bem.

Mas este raciocínio não está correcto: a conclusão não se segue da premissa. O subjectivismo oferece-nos uma abordagem demasiado imperfeita da moral, em que apenas fazemos o que gostamos.

Pior ainda, os meus gostos e aversões tornariam as coisas boas ou más. Suponha que gosto de magoar pessoas; isto faria com que fosse um bem magoar pessoas. Imagine que eu gosto de reprovar estudantes apenas pelo prazer que isso provoca; isto faria com que reprovar estudantes apenas pelo gozo se tornasse um bem. Tudo o que me agradasse tornar-se-ia um bem — ainda que eu gostar disso fosse apenas o produto da estupidez e da ignorância.

O racismo fornece-nos um bom teste para as perspectivas éticas. O subjectivismo é insatisfatório neste ponto dado afirmar que fazer sofrer pessoas de outras raças é um bem desde que eu goste de o fazer. Depois, o subjectivismo implica que Hitler disse a verdade quando afirmou “O assassínio dos judeus é um bem” (visto que este enunciado apenas significa que Hitler gostava de matar judeus). O subjectivismo tem implicações inaceitáveis sobre o racismo.

A educação moral dá-nos outro teste. Se aceitarmos o subjectivismo, de que modo educaremos as nossas crianças para pensarem sobre questões morais? Ensiná-las-íamos a seguir os seus sentimentos, a deixarem-se guiar pelos seus gostos e aversões; não lhes forneceríamos um guia para formarem sentimentos responsáveis e sensatos. Ensinaríamos às crianças que “Gosto de magoar pessoas — portanto, magoar pessoas é um bem” é uma forma correcta de raciocinar. O subjectivismo implica também consequências bizarras em educação moral.

Não é difícil expor as debilidades do subjectivismo. Mas, nesse caso, por que razão é tão plausível esta doutrina? Uma das razões é que aquilo de que gostamos corresponde, em geral, ao que pensamos ser um bem. O subjectivismo explica isto: dizer que uma coisa é “boa” significa que gostamos dela. Mas é possível dar outras explicações. Talvez estejamos motivados para gostar daquilo que descobrimos ser um bem (através da razão ou da religião). Portanto, não há apenas uma forma de explicar a ligação entre o que gostamos e o que julgamos um bem.

Se, como é frequente, formos pessoas moralmente imaturas, esta correspondência pode falhar. Podemos gostar de coisas que julgamos serem um mal, por exemplo, gostar de magoar as outras pessoas. O que se espera da moral é que sirva de constrangimento aos nossos gostos e aversões. Pensar que magoar outras pessoas é um mal pode impedir-nos de o fazer, embora fosse isso que gostaríamos. Portanto, não podemos identificar o que é bom com aquilo de que gostamos — embora, se tivermos maturidade moral, haja uma correspondência entre ambos.

Não são muitos os filósofos que defendem actualmente o subjectivismo. Alguns dos que têm tendência para o subjectivismo adoptaram o emotivismo, doutrina que difere da primeira de uma forma subtil. Cada uma destas perspectivas interpreta o “bem” como se segue:

O emotivismo afirma que os juízos morais são exclamações emocionais e não afirmações verdadeiras ou falsas; esta perspectiva está muito próxima do subjectivismo e é mais difícil de refutar. Outros filósofos com as mesmas tendências adoptaram a perspectiva do observar ideal; a palavra “bem” exprime não os sentimentos que efectivamente temos mas o modo como nos sentiríamos caso fossemos totalmente racionais. Esta perspectiva tenta combinar o sentimento e a razão. A próxima secção é dedicada a esta perspectiva.

A Sub falou-nos em liberdade moral. Mas não nos disse de que modo podemos usá-la de uma forma responsável. Disse que precisamos de seguir os nossos sentimentos. Mas nada disse acerca de como desenvolver sentimentos sensatos. A próxima perspectiva procura superar estas deficiências através de uma concepção mais rica acerca daquilo em que consiste o pensamento moral.

Perspectiva do Observador Ideal: "X é um bem” significa “Desejaríamos X se estivéssemos inteiramente informados e nos preocupássemos imparcialmente com todas as pessoas”. Escolha os seus princípios morais procurando ser tão imparcial e bem informado quanto possível — veja então o que deseja.

2.3 Ana Idealista

Chamo-me Ana Idealista. Aderi à teoria do observador ideal quando compreendi a necessidade de combinar sentimento e razão na abordagem da natureza do pensamento moral.

Os sentimentos e a razão fazem ambos parte da vida; idealmente, deveriam actuar em conjunto em tudo o que fazemos. Vejamos um exemplo extraído da gramática. Antes de entregar um ensaio, releio o que escrevi à procura de erros gramaticais. A intuição faz-me sentir os erros, quando existem; se uma frase me provoca um sentimento de desagrado considero-o um bom indício de que a frase é agramatical. As minhas intuições gramaticais são o produto de anos de treino onde a razão desempenha um papel crucial, tal como as regras e os exemplos. O meu sentido da gramática combina a intuição e a razão. Qualquer aspecto da vida deveria fazê-lo.

Já conhece a minha colega, a Ana Subjectivista. Como partilhamos o mesmo nome próprio, facto que pode tornar-se um foco de confusão, chamar-lhe-ei apenas “Sub”. A Sub tem algumas boas ideias às quais falta ponderação. Está sempre a dizer “Sigam os vossos sentimentos”. É claro que se os nossos sentimentos forem sensatos e racionais não é um mau conselho. Mas pode-se tornar num péssimo conselho se esses sentimentos forem apenas patetas.

Segui o conselho da Sub o semestre anterior e isso trouxe-me problemas. Segui os meus sentimentos a respeito de comida — e engordei 2 quilos. Segui os meus sentimentos acerca de quando assistir às aulas — e quase reprovei nos exames. Insultei as pessoas sempre que me apeteceu — e isso privou-me da sua companhia. Não creio que aprecie demasiado o que fiz. Em sinal de retaliação contra a Sub, coloquei na parede do quarto o seguinte aviso:

Se fizermos apenas o que gostamos rapidamente deixaremos de gostar das nossas vidas.

Precisamos com frequência de treinar os nossos sentimentos em vez de os seguirmos cegamente. Por exemplo, houve uma altura em que gostava de fumar, comer demasiado e insultar os outros. Depois compreendi que este não é o tipo de coisas de que se justifique gostar — e deixei de o fazer.

Precisamos de combinar os nossos sentimentos com a razão. Actualmente, o meu lema é “Desenvolve primeiro sentimentos racionais e depois segue-os”. Mas, poder-se-ia perguntar, como se desenvolvem sentimentos morais racionais? Tenho duas sugestões a apresentar:

Os sentimentos racionais são aqueles que estão informados e são imparciais. Os juízos morais não descrevem os nossos sentimentos actuais e impulsos momentâneos, nem aquilo de que num ou noutro momento gostamos. Os juízos morais descrevem como nos sentiríamos se fossemos inteiramente racionais. “X é um bem” significa “Desejaríamos X se fossemos imparciais e estivéssemos completamente informados”. Chama-se perspectiva do observador ideal a esta perspectiva. Adoptamos os nossos princípios morais procurando estar tão bem informados e ser tão imparciais quanto possível — e só então vemos como nos sentimos.

A minha amiga Sub acha intrigante que possamos afirmar “Gosto de fumar embora isso seja um mal”. A sua explicação para o sentido deste enunciado parece-me um pouco enredada. A minha é melhor: “Gostar” refere-se aos nossos sentimentos actuais e “bem” ao que sentiríamos se fossemos racionais. O impulso que favorece fumar está em conflito com uma perspectiva racional (que inclui ter consciência e levar em consideração os danos que decorrem do uso do tabaco).

Deixe-me explicar o meu ponto de vista de outra forma. Um observador ideal é uma pessoa imaginária dotada de uma suprema sabedoria moral — uma pessoa informada e capaz de considerar os outros com um mesmo grau de preocupação imparcial. Dizer que algo é um “bem” significa que desejaríamos que tal acontecesse se fossemos observadores ideais. É claro que nunca seremos observadores ideais porque a ignorância e o preconceito nos impedirão disso. Mas a noção de um observador ideal é útil. Dá-nos uma imagem viva da sabedoria moral e uma forma de compreendermos o significado e a metodologia dos juízos morais.

Permita-me agora explicar como fazer juízos morais de modo racional. Em primeiro lugar, precisamos de estar informados. Precisamos de conhecer as circunstâncias, as alternativas e as consequências. Além disso, é necessário evitar os erros factuais. Um juízo moral é menos racional se não for baseado numa compreensão correcta da situação. É óbvio que não podemos saber tudo, mas podemos empenhar-nos de maneira a obter mais conhecimento.

O segundo elemento do pensamento moral racional é a imparcialidade. Os juízos morais envolvem sentimentos imparciais. Quando fazemos um juízo moral, adoptamos uma perspectiva imparcial que considera do mesmo modo todas as pessoas. Necessitamos desta perspectiva para regular as nossas inclinações egoístas e para que todos possamos viver em paz e harmonia.

A imparcialidade mostra alguns erros mais cometidos pelo subjectivismo. De um ponto de vista subjectivista “X é um bem” significa “Gosto de X”. Logo, o seguinte raciocínio é correcto:

Gosto de me embebedar e de magoar outras pessoas
∴ Beber demasiado e magoar outras pessoas é um bem.

Mas este raciocínio é incorrecto. A conclusão envolve o uso incorrecto da palavra “bem”; de facto, esta palavra descreve aquilo que desejaríamos que acontecesse caso estivéssemos na posse de informação completa e fossemos imparciais. A sociedade desmoronar-se-ia se seguíssemos o modelo subjectivista para o pensamento moral — se apenas fizéssemos o que gostamos, independentemente da forma como isso afectasse as outras pessoas.

Eis um exemplo acerca de como aplicar esta perspectiva. Admitamos que foi eleito para o Parlamento. Com que fundamento consideraria “um bem” — e nessa medida digna do seu voto — uma proposta de lei? O relativismo cultural diz-lhe para votar com a maioria; mas a maioria pode ser ignorante, ou estar dominada pela propaganda e pela mentira. O subjectivismo diz-lhe para seguir os seus sentimentos; estes sentimentos podem, contudo, estar deslocados ou apenas reflectirem a sua ignorância. A minha perspectiva diz-lhe para formar os seus valores de um modo factualmente informado e que considere todas as pessoas com imparcialidade. Este procedimento constitui uma melhor base de apoio para a democracia.

A perspectiva que proponho oferece-lhe ainda formas objectivas de criticar crenças morais racistas. Suponha que estamos a avaliar a racionalidade moral de um Nazi que acredita que devemos enviar os judeus para campos de concentração. Presumivelmente, o Nazi viola a condição de “estar informado”; as suas atitudes baseiam-se provavelmente em erros factuais ou na ignorância:

As suas atitudes poderiam ser criticadas com base na imparcialidade. Como as suas acções não reflectem uma preocupação em proceder do mesmo modo com todas as pessoas, não faz sentido defendê-las utilizando para o efeito um idioma moral. Talvez goste de perseguir judeus, mas não poderá defender de forma plausível que estas acções constituem um “bem”.

Alguns sistemas de valores são, portanto, mais racionais do que outros. Um sistema de valores é “racional” — e, nessa medida, digno de respeito — caso se baseie numa correcta compreensão dos factos e numa preocupação em considerar todas as pessoas de igual modo. O nazismo, a escravatura, a segregação racial são irracionais — têm a ignorância como único fundamento ou constituem violações da exigência de imparcialidade para com os nossos semelhantes.

A minha concepção possui diversas vantagens se comparada com o relativismo cultural ou o subjectivismo. Introduz um elemento de racionalidade sem pôr em causa o papel dos sentimentos. Além disso, oferece-nos munições mais eficazes para combater o racismo. Fornece-nos ainda uma base mais firme para a educação moral ao favorecer o desenvolvimento de sentimentos responsáveis e sensatos. Finalmente, está de acordo com a maneira como formamos as nossas crenças morais sempre que tentamos proceder racionalmente.

Antes de avançar para a secção 2.4, reflicta nas suas reacções iniciais à perspectiva do observador ideal. O que lhe agrada ou desagrada neste ponto de vista? Que objecções tem a colocar?

2.4 Objecções à teoria do observador ideal

A teoria do observador ideal representa uma melhoria significativa relativamente ao relativismo e ao subjectivismo. Infelizmente, esta concepção, pelo menos tal como até aqui foi desenvolvida, contém dificuldades.

A condição de “imparcialidade” não é clara. Será que requer a mesma preocupação com todas as pessoas, independentemente de se tratar do nosso filho ou de alguém que nunca vimos? Seria isto um bem? E se a imparcialidade não é isto que requer, então o que é exactamente?

A condição de “estar totalmente informado” parece demasiado idealizada. Será que não implicaria possuir uma quantidade infinita de conhecimento e, portanto, um cérebro infinito? Se os seres humanos são incapazes de estarem completamente informados, será que faz sentido interrogarmo-nos acerca do que desejaríamos se estivéssemos na posse de toda a informação?

Esta concepção oferece-nos duas condições de racionalidade arbitrárias. Existirão outras além destas? Por exemplo, seria necessário ser-se consistente? Será necessário sentir empatia (ter uma consciência muito viva do que significa estar no lugar das outras pessoas)? Alguns filósofos incluíram estas ou outras condições. Como é que se decide que condições de racionalidade incluir?

Os observadores ideais podem discordar acerca de certas questões. No caso de isto suceder, será que devemos considerar um “bem” o que a “maioria” dos observadores (não “todos”) desejaria? Ou devemos seguir o que cada um de nós individualmente desejaria se fossemos observadores ideais?

Portanto, a perspectiva do observador ideal, embora represente um enorme passo em frente, ainda não é o fim da jornada. As suas ideias necessitam de ser melhoradas e desenvolvidas. No entanto, qualquer candidata a ser uma melhor teoria tem de se basear nas suas intuições.

2.5 Sumário do capítulo

O subjectivismo afirma que os juízos morais descrevem sentimentos pessoais: “X é bom” significa “Gosto de X”. Supõe que os princípios morais decorrem de seguirmos os nossos sentimentos.

O subjectivismo enfrenta algumas dificuldades. Defende, implausivelmente, que o simples facto de gostarmos de alguma coisa (como beber demasiado e magoar os outros) faz dela um bem. Dá-nos uma base demasiado frágil para lidarmos com o racismo e a educação moral. Diz-nos para seguirmos os nossos sentimentos mas não nos oferece um guia para desenvolvermos sentimentos sensatos e racionais.

A teoria do observador ideal tenta combinar sentimentos e racionalidade. Defende que “X é um bem” significa “Desejaríamos X se estivéssemos totalmente informados e nos preocupássemos imparcialmente com todas as pessoas”. Adoptamos os nossos princípios desenvolvendo sentimentos morais racionais (permanecendo imparciais e informados) — e depois seguindo os nossos sentimentos.

A teoria do observador ideal, embora represente um amplo progresso quando a comparamos ao relativismo e ao subjectivismo, comporta, ainda assim, problemas — pelo menos tal como até ao momento a apresentámos. Por exemplo, oferece-nos apenas duas condições arbitrárias de racionalidade — sendo, além disso, pouco claro o que significa “ser imparcial”.

2.6 Questões para o acompanhamento do estudo

Escreva as respostas no seu caderno de ética. Se não souber responder, retome a secção onde o assunto é tratado.

  1. Como se define “bem” para o subjectivismo? Que método é preconizado para a formação de crenças morais?
  2. A Ana Subjectivista foi uma simpatizante do relativismo. Por que razão se converteu ao subjectivismo? (2.1)
  3. De que modo a Ana Subjectivista relaciona a liberdade moral com o processo de crescimento?
  4. Como é que a Ana Subjectivista aplicou o subjectivismo ao problema de se beber demasiado?
  5. Por que razão é de esperar que o subjectivismo seja uma verdade óbvia considerando o modo como falamos?
  6. Será que o subjectivismo considera que os valores são relativos? E relativos a quê?
  7. De que modo a Ana Subjectivista enfrentou a objecção de que os juízos morais são afirmações acerca do que é objectivamente verdadeiro, independentemente dos nossos sentimentos?
  8. Escreva um ensaio de uma página onde relate as suas reacções iniciais ao subjectivismo.
  9. Formule algumas objecções ao subjectivismo. (2.2)
  10. Será que os juízos morais necessariamente correspondem aos nossos gostos e aversões?
  11. Como aplicar o subjectivismo ao racismo e à educação moral?
  12. De que modo o “bem” é definido na perspectiva do observador ideal? De que método dispomos para formar as nossas crenças morais?
  13. Qual a maior objecção da Ana Idealista ao subjectivismo?
  14. Como é que desenvolvemos sentimentos racionais? Explique as duas condições de racionalidade propostas.
  15. O que é um “observador ideal”? Existirão observadores ideais? Se não existem, qual é o interesse da ideia?
  16. Como deveríamos aplicar a teoria do observador ideal se fossemos eleitos para o Parlamento?
  17. Como se aplica ao racismo a teoria do observador ideal?
  18. Escreva um ensaio de uma página onde relate as suas reacções iniciais à perspectiva do observador ideal. É verdade que lhe parece plausível? Que aspectos lhe agradam e desagradam na teoria? Tem uma ideia do que poderia mostrar a sua falsidade?
  19. Indique em linhas gerais dois problemas que se podem colocar à perspectiva do observador ideal.
Harry Gensler
Ethics: A contemporary introduction (Routledge, 1998)
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ISSN 1749-8457