5 de Agosto de 2025   Filosofia política

As limitações do comunismo

John Stuart Mill
Tradução de Rodrigo Jungmann
Leader,1 3 de agosto de 1850

Senhor,

Um correspondente do seu jornal da semana passada, ao escrever em defesa do que ele chama de “visões associativas”, querendo dizer com isso, suponho, a organização da indústria com base no princípio comunista, ocupa-se do combate contra pessoas que, diz ele, criticam o comunismo porque “a harmonia e a competência que dele provavelmente resultariam” serão supostamente “tão extremas que se tem pavor de um excesso de satisfação”; e ele atribui essa posição absurda a “uma obra recente” chamada Princípios de Economia Política,2 a qual, segundo afirma, “antecipou a inanidade e a monotonia que deverão seguir-se quando o incentivo das carências animais tiver sido conquistado e removido”. O seu correspondente entendeu mal o argumento de Economia Política. Não se encontra aí a noção de que “as torturas da fome” são necessárias para impedir que a vida se torne inane e monótona. A alegação está tão longe da verdade que, pelo contrário, a labuta a que a fome, e o medo da fome, condenam a grande massa da humanidade é a causa principal que torna as suas vidas inanes e monótonas. Se o comunismo, ou que é geralmente chamado por este termo, faria da vida uma rotina insípida, não seria dar a todos uma vida confortável. Quando os ricos estão ennuyés,3 não é por estarem “acima do medo das privações”; é em geral por não estarem “acima do medo” das opiniões dos outros. Não cultivam nem seguem opiniões, preferências ou gostos próprios, nem vivem senão da maneira prescrita pelo mundo para as pessoas da sua classe. As suas vidas são inanes e monótonas porque (em suma) não são livres, porque embora sejam capazes de viver como quiserem, os seus espíritos vergam-se a um jugo externo. Ora, esta é a servidão que temo nas comunidades cooperativas. Temo que o jugo do conformismo se tornaria mais pesado em vez de mais leve; que as pessoas se sentiriam obrigadas a viver para agradar aos outros, e não a si próprias; que as suas vidas ficariam subjugadas a regras, as mesmas para todos, prescritas pela maioria; e que não haveria saída, nenhuma independência de ação ao dispor de pessoa alguma, visto que todos têm de ser membros de alguma comunidade. É isso que, como se alega na Economia Política, tornaria monótona a vida; não o fim das privações, que é um bem em todos os sentidos da palavra, e que poderia ser assegurado a todas as pessoas que nascem, sem as obrigar a fundir tanto a sua existência distinta como a sua existência enquanto trabalhadores, numa comunidade. A meu ver, nenhuma ordem social pode ser desejável a menos que se funde na máxima de que nenhum homem ou mulher deve satisfações a outros indivíduos por qualquer conduta que não lesione ou prejudique os outros.4

John Stuart Mill

Notas do tradutor

  1. Jornal inglês em que Mill respondeu por meio desta carta a um artigo publicado em 27 de Julho por um certo George Jacob Holyoake. Valemo-nos do Volume XXV, pp. 98–99, de The Collected Works of John Stuart Mill, disponível no site do Liberty Fund. ↩︎
  2. Influente tratado sobre a economia política publicado por John Stuart Mill em 1848. ↩︎
  3. Em francês no original: “entediados”. ↩︎
  4. Mill antecipa aqui de maneira extremamente sumária o que viria a ser conhecido como “Princípio do Dano”, que Sobre a Liberdade (1859) viria a tornar célebre. ↩︎
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